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Escritos curtos, ideias livres e pensamentos leves

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O novo coronavírus e a Psicologia.

​Desde as primeiras notificações (dezembro/2019) sobre o coronavírus (COVID-19), tem sido comum a presença de álcool em gel nas bolsas, assim como o uso de máscaras em ambientes diversos como nos aeroportos, nas ruas, em estabelecimentos comerciais e até em ambiente de trabalho. Além dos cuidados de higiene pessoal, que nunca são demais, outros fenômenos de resposta comum em momentos de crise na saúde pública têm surgido.

Visto que não é o primeiro coronavírus que surge e que dá sinais de alerta mundial (em 2003 houve um tipo que matou quase 800 pessoas no mundo), percebe-se que o pânico é gerado tanto nas pessoas contaminadas, como nas não-contaminadas.

Para os enfermos, além do sofrimento físico (pela doença em si), o sofrimento psicológico pode vir de fatores como ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), etc.

Uma pesquisa de 2014 da revista East Asian Arch Psychiatry demonstrou que 4 anos após aquela crise de saúde,  42% dos sobreviventes haviam desenvolvido algum transtorno mental. A maioria deles (54,5%) manifestou TEPT e 39% tiveram depressão.

Outros comportamentos surgem em momentos como este: no dia seguinte à confirmação do primeiro caso na Itália, houve uma corrida aos supermercados. Apesar de não haver risco de escassez de produtos, as pessoas ficaram desesperadas e queriam estocar alimentos. Houve relato de luta entre clientes por conta de alimentos.

Há também outros grupos que acabam sofrendo, não pela doença em si, mas pelo preconceito decorrido da sua nacionalidade. Visto que a maior parte dos casos surgiu na China, o novo coronavírus trouxe à tona o preconceito contra os orientais.

Nos Estados Unidos, um jovem de origem asiática foi espancado por outros jovens enquanto caminhava pelas ruas. Eles gritavam “pegue seu coronavírus e leve de volta para casa”. Em São Paulo, uma arquiteta, de 37 anos, descendente de japoneses, denunciou ter sido vítima de xenofobia enquanto caminhava. Ao anunciar a contaminação de italianos pelo coronavírus, o jornal trazia a foto de dois asiáticos (?).

A ONU inclusive tem denunciado esse tipo de prática: “A epidemia de coronavírus desencadeou uma onda perturbadora de preconceito contra pessoas de etnia chinesa e do leste asiático, e pedimos aos Estados membros que façam o máximo para combater essa e outras formas de discriminação”.

É, meus caros. Medo, ansiedade, estresse, preconceito... O comportamento humano pode ser bastante cruel em determinadas situações sociais. Já parou pra pensar nisso? Como você tem lidado com isso?

Cuidemo-nos sempre, mas evitemos espalhar pânico e desrespeito ao outro.

LCV, 04.03.20. Foto: Acervo marketing digital pessoal

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A vida tem derrotas, sim. Não vá na onda da indústria da superação.

Estava eu lendo um texto do Ivan Martins quando me percebi concordando em quase toda frase que lia. Quando isso acontece é porque eu preciso escrever sobre. Pois bem. O texto me tocou profundamente porque tenho pensado muito nesse tema ultimamente. Superação. Vencer. Força de vontade. Ele traz exatamente esse boom de frases de efeito que tem assolado as redes sociais com muita imposição de ideias numa tentativa insana de convencer aos desavisados de que o mundo pode ser seu - com perdão de sua letra musical, Marina. Gente, não. Não é bem assim.

Dedicação e foco são características fundamentais no mundo do trabalho, no cotidiano da vida e nos seus projetos pessoais. Acontece que tem algo muito importante que tem gente que não se dá conta. E esta é uma das grandes sacadas do ser humano: a capacidade de lidar com as frustrações, com as derrotas, com as perdas. A capacidade de adaptar nossos sentimentos à realidade que nos aparece.

 

Eu queria muito ser boa em matemática. Fazia aula de raciocínio lógico, aluguei na biblioteca do colégio o “fundamentos de matemática elementar” muitas vezes na vida. Lia, fazia um ou outro exercício, mas eu não conseguia avançar. Só fazia o basicão. E era isso, percebi que não era boa e por mais “força de vontade”, “vontade de vencer” eu não iria conseguir ser uma aluna exemplar em matemática. No entanto, eu me destacava em redação, em língua estrangeira, em português. Simples assim. Até quando eu ia ficar tentando ser boa em matemática? Infelizmente não sou e não foi por falta de dedicação, meus caros.

 

Então, tenham cuidado quando tiver alguém por aí tentando e não conseguindo. Não julgue que é “falta de perseverança”. Nem sempre é. Nem tudo na vida se consegue com força de vontade. Existem circunstâncias várias para que a vida seja imperfeita mesmo. Resignar-se faz parte do processo.

 

Pra quem quiser ler o texto que eu citei, rebola pra cá: https://ivanmartins.blogosfera.uol.com.br/2020/01/28/diga-nao-a-industria-da-superacao/

LCV, 29.01.20. Foto: IBC

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Como era antes pra você?​

“Não entendo por que demoram tanto a sair depois que o semáforo abre. Que coisa!”. A primeira vez que ouvi meu próprio pensamento dizendo uma coisa assim, comecei a suspeitar de que uma impaciência começava a tomar conta de mim em certos momentos. Eu não estava atrasada, eu não estava disputando uma corrida, eu só pensei que os carros podiam sair mais depressa quando da abertura do sinal. E eu queria entender de onde vinha essa impaciência.

Refletindo sobre a minha reação quando isso acontecia, eu me dei conta de algo importante. Eu ando num carro de motor 1.4 e o carro da frente tinha um motor 1.0 e que realmente a arrancada de um e de outro faz uma tremenda diferença que eu não me lembrava até então. Sim, eu sabia que essa diferença existia, até porque meu carro anterior era 1.0 e eu lembro bem quando comecei a dirigir meu carro novo: “meu Deus, esse carro voa...”, pensei à época.

O motivo podia ser outro também. Carros têm velocidades diferentes, assim como motoristas estão em momentos diferentes no trânsito. Mas eu sabia que a minha impaciência tinha a ver com essa lentidão na arrancada... Eu me esqueci que carros 1.0 são mais lentos mesmo.

Esquecer é fisiológico. Não seria saudável guardar todos os detalhes de todas as nossas experiências, certo? Esquecer, inclusive, faz parte de uma memória saudável, segundo o querido Iván Izquierdo, neurocientista argentino especialista em memória (do qual eu sou fã). “Esquecer é um mecanismo de limpeza que ajuda a otimizar o trabalho do cérebro. Se tudo ficasse na cabeça para sempre, ele viraria um depósito de entulho”, diz ele.

A questão é que tem coisas que a gente esquece, mas lembra de novo, como foi o caso que eu acabei de mencionar sobre a experiência de ter um carro 1.0 e 1.4.

Aonde eu quero chegar com tudo isso? Olha, quando eu me dei conta disso, eu me senti um pouco mal. Como se eu tivesse esquecido o que eu vivi. Como se todo esse tempo meu pensamento tivesse sido cruel em achar que as pessoas deveriam estar no mesmo reflexo ou na mesma arrancada que a minha.

Não tem como não parar e fazer uma metáfora em relação a tudo o que vivemos.

Provavelmente muita coisa melhorou na sua vida. Pode ser que você tenha corrido atrás de ônibus, tenha contado as moedas pra lanchar. Pode ser que você tivesse que acordar muito cedo pra estar naquele estágio tão disputado. Hoje você acha ruim quando um ônibus para na sua frente, exatamente quando o sinal abre? Acha chato esperar alguém contando moedas? Acha um absurdo que o estagiário ou o terceirizado não consiga chegar ao trabalho cedo como você consegue?

A empatia não deve ser só afetiva, mas cognitiva e comportamental. Quando você compreende racionalmente os processos das outras pessoas e toma atitudes de acordo com o que ocorre, a empatia se torna completa. E o mundo? Melhor!

LCV, 07.01.20 - Foto: Rodrigo Régis

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Dos difíceis (mas necessários) caminhos da educação

Ontem estive em uma palestra do Rossandro Klinjey, um educador e psicólogo que tenho acompanhado de uns anos pra cá. Ele costuma citar exemplos de uma geração anterior para ilustrar algumas diferenças positivas e negativas daquela época e que impactam inevitavelmente na educação dos nossos filhos hoje.

 

Não, você não precisa bater nos seus filhos como sua mãe bateu em você. Ou falar coisas do tipo “você não vale nada, você não tem vez” como nossos avós disseram. Eu escuto muito isso: “mas eu sofri tudo isso e aqui estou,  muito bem, sem traumas”. Quando eu escuto isso, imagino que essa pessoa não tem noção de como ele é um dos que sobreviveu bem, sem traumas. Que bom pra essa pessoa. Mas você já pararam pra pensar na quantidade de pessoas com baixa auto-estima, pessoas que se tornaram violentas, alcoólatras justamente por terem tido uma infância difícil? A capacidade de compreensão, resiliência e amor de cada um é diferente. Então, se você levou uma pisa de chinela havaiana da sua mãe ou escutou poucas e boas do seu pai e a seu ver hoje é uma pessoa saudável e feliz, ótimo. Não permita que o seu desenvolvimento seja a única voz capaz de resumir as conseqüências de uma infância assim. Há muitas pessoas que desenvolveram problemas psíquicos e hoje têm dificuldade em vários contextos da vida.

 

A questão são os extremos: não precisamos tratar as crianças como se “não tivessem vez e voz”, mas tampouco é viável permitir que elas ajam como se já dominassem todas as esferas da vida, coisa que nem nós, adultos conseguimos. Antes de tudo vem o respeito. O amor vem por conseqüência. Não amamos que não admiramos, quem não nos orienta de forma a nos tornarmos melhores pessoas. Assim, é preciso impor limites, estabelecer lugares. Há uma grande diferença entre pais, mães e amigos. Escutava muito na clínica coisas do tipo “mas eu sempre quis ser amiga da minha filha”. Ótimo, que seja (também), mas antes de amiga, você tem um papel diferente: o de mãe. O de pai. Esse lugar é só seu, saiba utilizá-lo. “Família é pra suportar-se”, como diz Rossandro. É pra dar suporte emocional, suporte para que eles saibam lidar com as diversas etapas da vida. Nossos filhos nem sempre ouvirão sim. Eles precisarão conquistar coisas, posições, respeito. Eles precisam sentir decepções, dores. No sofrimento surge o crescimento, a resiliência. Fracassar é preciso. Nas dificuldades percebe-se o valor das coisas.

 

Hoje, conversando com uma colega de trabalho, que tem excelentes exemplos na educação da filha, debatíamos sobre psicoterapia infantil. Relatei o que acontece em muitos casos na clínica: quando recebemos mães e pais querendo ajuda porque o filho “está impossível” ou “ansioso demais”, não demoramos pra entender que a maioria daqueles comportamentos tem uma carga diretamente ligada às atitudes cotidianas dos pais e eles nem imaginam. A demanda pode até ser da criança, mas na maioria dos casos é uma questão dos pais. Pensemos nisso. Pedir ajuda é um ótimo sinal pra começar a se dar conta de tudo isso. Afinal, não é por mal que os pais agem como agem, mas é preciso um redirecionamento racional na educação dos nossos pequenos. Não podemos agir simplesmente por instinto ou porque não queremos que ele passe pelas dificuldades que passamos.

 

Muitos saíram da palestra comentando “eu queria que minha irmã tivesse vindo” ou “a minha filha era pra estar aqui ouvindo tudo isso”. Bom, nós estávamos lá e nós pudemos aproveitar muito das reflexões educativas desse psicólogo paraibano que tem um discurso que realmente agradeço por estar sendo divulgado.

LCV, 17.10.19 - Foto: Arquivo pessoal.

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Das emoções que devem ser acolhidas por cada um de nós

“Poucas habilidades são tão importantes e ao mesmo tempo tão negligenciadas quanto a capacidade de manter a calma”. Mais um livrinho da The school of life – Calma – que eu trago por aqui. Pra complementar o tema, trago também outro achado: um livrinho escrito pelo neto do Mahatma Gandhi e que tem me trazido reflexões necessárias sobre a raiva: A virtude da raiva.

Olha, em tempos de discursos opressores, descaso com minorias sociais e diálogos difíceis entre familiares, amigos e amores, tenho tentado ler sobre nossas emoções. Adoro estudar sobre habilidades emocionais (meu tema de TCC foi sobre isso e atualmente contribuo num projeto lindo da Ilumine num programa de educação socioemocional - uma coisa linda, diga-se de passagem).

Fico pensando por que mesmo esse é um tema que me chama atenção. Ora pois, pois. A gente aprende um bocado de coisa na escola, mas não aprende a conhecer e lidar com as mais diversas emoções que somos capazes de sentir. Como é que uma criança vai entender que o que ela sente é ciúme se ninguém explica pra ela? E como ela vai saber que é normal sentir inveja , angústia, ansiedade ou medo se ninguém para e diz: “vem cá, deixa eu te explicar umas coisas...” ou “você pode me descrever como é que você se sente agora? Deixa eu ver se posso te ajudar...”. Então... eu sempre olhava pra quem chorava perto mim querendo dizer algo como “pode chorar, é assim mesmo” ao  invés do “para com isso, não chora, deixa de ser bobo” que eu tanto escutava. Eu queria mais acolhimento do que culpa. E veja no que deu. Tornei-me psicóloga. Nossa história e desejos atravessam nossas escolhas, meus caros.

Mas voltando aos livros: o caminho para um relacionamento mais tranqüilo nunca vai ser a remoção de conflitos, até porque eles sempre irão existir. A questão é como lidar com eles sem que percamos a paciência e descontemos em quem mais amamos. O fato de estar lendo até aqui já quer dizer que você se preocupa com tal fato e já é um bom caminho percorrido. É Importante refletir sobre como e por que esses conflitos nos atingem. Já parou pra pensar que você pode estar totalmente equivocado sobre o que você pensa? Defendemos nossas ideias com tanta garra e veemência que esquecemos às vezes que o outro tem outro ponto de vista e que pode inclusive ter vindo com a cabeça menos cheia do que você para dar seu parecer.

Um segredo encontrado no livrinho Calma: as coisas que mais nos preocupam mal passam na cabeça dos outros. Essa é uma experiência potencialmente esmagadora e solitária que intensifica a ansiedade e a inquietação.

Outro segredinho: A impaciência não é a insatisfação com o fato de as coisas levarem muito tempo para acontecer, mas a sensação de que elas estão levando mais tempo do que deveriam. É por não compreendermos direito a natureza da tarefa que não calculamos corretamente o tempo que deveria levar.

Sabe o que pode nos acalmar? A arte. De vários tipos, inclusive. Desde a simetria de quadros, a arquitetura de um projetado jardim a um bom livro. Outra forma: a organização. Ah, a organização. Não digo aqui aquele lugar sem uma folha fora do lugar, mas aquele local em que há sintonia entre você ele, aquele lugar que traz uma simetria de amor, sabe? Afinal a melhor organização é aquela, a intuitiva.

Há virtude na raiva. Com ela, conseguimos acessar a capacidade de transformar nossas emoções em lições de desenvolvimento pessoal e espiritual. Como dizia M Gandhi, a raiva é algo poderoso que nos leva a agir. Na hora da raiva o que conseguimos enxergar é a ofensa do momento; nosso sangue esquenta e podemos agir de maneira descontrolada, mas precisamos lembrar que podemos responder ao outro de maneira diferente. Afinal, as palavras podem magoar quem mais devíamos tratar com gentileza e amor.

Não tem segredo. É um cotidiano que devemos ter: compreender que aquele sentimento de raiva chega, permanece por alguns segundos e aos poucos vai se dissipando quanto mais refletimos sobre seu contexto, sobre o outro, sobre a coisa em si. O tempo ajuda em quase tudo nessa vida. Alguns segundos de reflexão podem nos tornar mais gentis e mais acolhidos pelos nossos pares.

Agradeço por ler e estudar sobre as emoções. Estou ciente que continuo nesse processo de autodesenvolvimento e fico feliz por compartilhar dessa experiência e conhecimento com vocês.

- Mais dicas sobre o tema:

 

  • Zilda Del Prette e Almir Del Prette são autores que trabalham com habilidades sociais e emocionais. Eu gosto muito e vale muito a pena ler sobre.

  • Organização intuitiva - @euorganizado. Um blog que não fala somente sobre organização, mas sobre nosso caos potencial.

  • Tenho monstros na barriga. Tônia Casarin. (livro infantil)

  • A virtude da raiva. E outras lições espirituais do meu avô Mahatma Gandhi. Arun Gandhi. Sextante.

  • Calma. The School of life. Sextante.

  • A monja e o professor. Monja Coen e Clóvis de Barros Filho. Best Seller.

  • O inferno somos nós. Do ódio à cultura de paz. Leandro Karnal e Monja Coen. Papirus.

LCV, 30.08.19 - Foto: Arquivo pessoal.

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Do Essencialismo que deveria habitar em cada um de nós.

Esperei algumas semanas passarem para só depois escrever sobre esse livro do Greg Mckeown. Queria digerir algumas coisas e entender outras. Isso leva tempo.

O que percebi e o autor tem razão é: ou você se torna essencialista em todas as esferas da sua vida ou não se torna. Porque essa coisa de ser essencialista aqui e ali não é capaz de nos fazer perceber o que realmente o essencialismo é capaz: perceber que quase tudo é não essencial. Essa coisa de dizer “sim” quase o tempo todo porque acha que aquilo é mais um trabalho legal que chegou até você ou dizer “sim” porque “senão ninguém faz” ou “porque se eu não fizer, vão achar que eu não sou capaz”. Eu vou te dizer, meu caro: nada como um “não” elegante. Afinal, como dizia Hemingway, coragem é a elegância sob pressão. Eu sei que estou longe de ser uma essencialista, mas essa “busca por menos” eu já adquiri. Não está tão disciplinada, mas eu chego lá. Toda vez que “edito” a minha vida, eliminando coisas realmente não essenciais, o alívío, a leveza que me chega é de querer sair correndo pras pessoas dizendo: façam o mesmo, minha gente! É libertador. Afinal, há muitos benefícios em selecionar o que realmente importa: isso inclui objetos dentro de casa, no trabalho assim como conversas desnecessárias que a gente tem sem perceber e projetos que inventamos de fazer sem a mínima conexão com nossas reais intenções.

Certa vez estava numa palestra de um congresso em 2015 e a Marilda Lipp, uma psicóloga estudiosa da área de estresse, contava sobre uma colega sua que se vangloriava por ter a agenda cheia e com fila de espera de pacientes. A Marilda vez por outra dizia que aquilo talvez não fosse a melhor forma de conduzir seu dia, até porque, há outras atividades na vida além da clínica, mas a tal colega pouco importava e seguia com sua rotina incansável. Não há um desfecho para essa história, mas não é necessário esperar para tal. A nossa cultura exalta agendas lotadas, a falta de tempo e a correria de um almoço entre uma reunião e um compromisso do outro lado da cidade. Com isso, o cansaço vence, as atividades se multiplicam e o que não é essencial é ressaltado.

Ok, ok, Lílian, mas a minha vida é tão cheia que não consigo nem saber por onde começar ater uma vida menos cheia e mais essencialista. Parece paradoxal o que vou dizer, mas é um conselho não só meu, mas do próprio autor: leia, de preferência nos vinte primeiros minutinhos do dia. Mas não é jornal ou auto-ajuda. De preferência uma literatura que tenha sido escrita antes dessa época hiperconectada. Mas isso não seria incluir mais uma atividade da minha agenda lotada? Pois é, mas essa leitura vai fazer você perceber aos poucos o que é ou não essencial. Quando foi que você reservou tempo no seu dia cheio para simplesmente ler ou se sentar e pensar? O caminho do trabalho não conta. Parece luxo, desperdício de tempo, né? Imagine que essa pode ser a sua ferramenta de produtividade mais valiosa. Ela vai te dar a opção de organizar, de criar pequenas metas sem te enlouquecer com projetos grandiosos.

Há quem me pergunte se isso não é mesmo que minimalismo. Olha só: não, mas você não está equivocado em pensar sobre essas semelhanças. Porque ambos os princípios partem da ideia de que uma vida mais simples e mais leve é melhor pra todo mundo. O minimalista reduz aos mínimo o emprego de elementos de que dispõe. O essencialista reduz escolhendo. Não basta ter pouca coisa ou fazer poucos projetos. O essencialista sabe que nem tudo vale a pena e por isso sabe selecionar exatamente o quê. Ele abdica de um monte de coisa no intuito de fazer mais em algo específico que, definitivamente, vale seu trabalho. Já ouviu falar daquela frase do Abraham Lincoln? "Se eu tivesse 08 horas para cortar uma árvore, gastaria seis afiando meu machado". O tempo da seleção pode parecer muito, mas aos poucos, ele vai ser cada vez menor, assim como o tempo de realização da tarefa escolhida.

É um processo demorado mesmo, claro. Estamos imersos na cultura do sim o tempo todo, de querer dar conta de tudo nessa sociedade do cansaço, como diz Byung Chul Han. Mas os benefícios da vida essencialista são espetaculares. Do armário da cozinha com poucos utensílios a um ou no máximo dois projetos ao qual você se dedica. Lembre-se: metade dos problemas da vida decorre de dizer “sim” depressa demais e não dizer “não” cedo o bastante (Josh Billings).

Ah, sei que a capa do livro não ajuda (aquela coisa do best-seller...). Os norte-americanos gostam dessas coisas mesmo, gente, mas entre de mente aberta porque vale a pena a leitura.

 

LCV, 29/07/2019 - Foto: https://www.instagram.com/liliancalixtopsi/?hl=pt-br

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Dos filhos que a gente (não) tem

​Tinha uma época em que minha mãe ia fazer um bolo e minhas irmãs e eu corríamos até a cozinha. A idéia não era tanto ajudar a fazer o bolo, embora a gente acabasse fazendo isso porque minha mãe era dessas que não podia ver ninguém parada. “Bora, ajude aqui. Tão bom, olha... conversando e ajudando, não é bom?! Num instante a gente termina”. Enfim, ajudávamos meio a contra gosto, mas o que mais esperávamos era pela tigela. A tal tigela com a sobra da massa do bolo. A disputa era basicamente por dois itens: a colher e a tigela. O problema é que éramos três filhas e só dois itens à disposição. A sorte é que nem sempre uma de nós estava disposta a entrar na guerra e ficava no quarto esperando só pelo bolo mesmo.

Mas duas de nós esperávamos avidamente pela parte final da preparação da massa: quando a minha mãe pegava aquela fôrma untada de manteiga e farinha de trigo e começava a despejar a massa, a gente corria e ficava puxando a colher e a tigela da mão dela e ela dizia: “meninas, eu preciso despejar tudo, tenham calma! Isso faz é mal, dá dor de barriga, sabiam?” Lembro que eu ficava pensando: “se faz mal e dá dor de barriga, por que fazer um bolo? Ele deve fazer mal também, não é?!”. Mas eu nunca ousei falar isso pra minha mãe porque eu queria era que ela esquecesse tudo e entregasse logo a tigela e a colher pra gente lamber tudo. “Vocês estão tudo com verme, avemaria!”, ela dizia. E lá estávamos nós comendo uma mistura de açúcar, clara de ovo, manteiga e farinha branca, tudo junto e misturado.

Quando o bolo ficava pronto a gente corria de novo pra cozinha, dessa vez com meu pai e uma tia ou prima que aparecia pra tomar um café da tarde. A nossa mesa era pequena e não cabia todo mundo. Então cada um sentava num canto. Talvez por isso minha família tenha o costume de falar alto até hoje: o outro que estava lá na ponta da sala tinha que escutar o que eu estava dizendo lá do outro lado da sala. E assim ia mais um sábado nosso.

Talvez eu tenha me lembrado disso agora porque fui fazer um bolo, coisa rara aqui em casa, pelo tal costume saudável de ser, de uns tempos pra cá. O fato é que não tenho filhos e não tive como não me lembrar desse episódio familiar quando concluí a mistura do bolo hoje. Não havia ninguém disputando a colher nem a tigela e eu me peguei rindo, com os dois itens só pra mim. Podia pegar a mistura e chamar o pequeno Arthur pra lamber o restinho da massa, mas ele é intolerante à lactose, como a maior parte dos humaninhos de ultimamente.

Senti uma mistura de felicidade clandestina com solidão. De alegria com riso choroso. Eu lambia a colher, mas eu acho que eu queria era estar oferecendo-a para meu filho ou filha, não sem antes dizer que aquilo fazia mal e que podia lhe dar dor de barriga. Ele ou ela ou os dois ririam e comeriam do mesmo jeito.  E eu? Ah, eu estaria muito feliz por repetir um episódio familiar tão saudoso.

Essa cena hoje me fez pensar em duas coisas: a primeira é que nem sempre teremos ou passaremos aos nossos filhos as mesmas boas vivências que tivemos na nossa infância. Não significa que isso é algo ruim. Não mesmo! Lembranças boas podem até nos fazer chorar de nostalgia, alegria, mas são carregadas de histórias que são suas apenas. Seus filhos terão as histórias deles a partir das vivências deles em que, provavelmente, você fará parte. Mas lembre-se: a história será dele e não sua.

A segunda coisa que pensei é que o ser humano é mestre em se reinventar. A nossa espécie fez isso durante mais de dois mil anos e por isso estamos aqui, adaptando-nos a tantas mudanças. Não tenho filhos (ainda ou definitivamente?), mas seguirei fazendo bolos / tortas que darão experiências incríveis como a de levar uma porção pra minha mãe e outra pra minha sogra ou mesmo pro meu trabalho e sem dúvida isso me satisfaz.

E você? Como tem se reinventado? Como estão os ressignificados das suas vivências? Vale a pena observar que boas histórias podem ficar na memória, mas elas também podem (e devem) ser recontadas, quem sabe sob nova versão?

LCV, 08/06/19 - Foto: https://www.altoastral.com.br/dicas-para-fazer-bolos-perfeitos/

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Daquele lugar que não é nosso, mas que existe​

​Na minha terra não costuma chover. Faz sol o ano quase todo, sabe? Então nós nunca prestamos muita atenção na previsão do tempo porque é quase todo dia a mesma coisa.

Lembro que a primeira vez que viajei pro sul do Brasil foi no mês de junho. Lembro de situações que me fizeram parar e pensar um pouco sobre o costume das gentes. Eu lembro de estar na recepção de uma pousada aconchegante, familiar, com funcionários bastante solícitos. Estava sendo atendida pelo recepcionista que bruscamente deu uma pausa no atendimento porque ouviu a chamada da moça do tempo. Além dele, a cozinheira da pousada, que estava passando de volta da sala pra cozinha também parou e ficou olhando pra tevê. Um casal (provavelmente de turistas locais) parou e fez o mesmo movimento. Eu olhei pra minha amiga e em uma troca de olhares ela entendeu o que eu pensava: "As pessoas aqui dão atenção à previsão do tempo! Deve ser importante". Rimos meio desdenhosas porque realmente não temos muito isso na nossa terra: é quase sempre igual, sol o dia todo, temperatura praticamente igual o dia todo (29ºC/30°C) e então acabamos por ignorar esse momento que naquela cidade era provavelmente de uma importância tremenda.

E aí que dia desses vi esse post numa rede social (não sei de quem é a autoria, por isso não dei os créditos ainda). Fiquei pensando no quanto fazemos isso o tempo inteiro: tendemos a não entender o lugar do outro, o seu comportamento, suas atitudes diante do mundo. Claro, a tendência é que acreditemos que estamos certos o tempo todo. Afinal, eu costumo agir como eu acredito que devo! A questão é que para um mesmo fenômeno há muitas possibilidades. Para uma mesma situação há tantos pontos de vista. Para uma mesma família há tantas formas de amar. Para um ambiente de trabalho há tantas formas de estar presente. Para um relacionamento há tantos caminhos a seguir. Para uma mesma cidade há tantas formas de interagir.

Não sei exatamente se o autor da frase do post quis dizer isso, mas me vem sempre à ideia de que acessar o espaço do outro é difícil, é desconfortável, muitas vezes impensável. Entender o outro nem sempre é simples. Entender sua forma de ser no mundo pode ser até cruel.

Feche os olhos e imagine que você é negro/a. Você acha que suas relações pessoais e laborais mudariam? Feche os olhos e imagine que você é desempregado. Seus afetos seriam os mesmos? Feche os olhos e imagine que você sofre de um transtorno psíquico grave. Ou simplesmente feche os olhos e se coloque no lugar de qualquer outro, seja ele vulnerável ou não.

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LCV, 17/04/19 - Foto: https://jirjr.com/2018/12/01/o-endereco-mais-dificil-do-mundo/

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Das (re)descobertas de cada um de nós.

Quando eu soube que a Rita Lee ia deixar os palcos, nem acreditei. Sempre a via como uma entusiasta desse lugar e que ali era capaz de se redescobrir o tempo inteiro, a cada show. Um dia eu vi uma entrevista em que ela dizia que tinha horror a barata. Que não suportava, tinha medo e nojo. “Mas no palco, se aparecer uma barata, sou capaz de brincar com ela...”.

Fiquei pensando sobre isso e me veio a ideia de que deve haver, em cada um de nós, um lugar em que nos sintamos confortável, por mais que alguns aspectos nos sejam aversivos. Esse lugar deve ser aquele em que dizemos: “Uau, eu adoro sentir isso!”.

 

Não estou falando exatamente de trabalho, como é o caso da Rita Lee (mas que bom se for assim pra você!). Estou falando também de lugares / atividades em que você se “redescobre”, que você se permite e que você até se desconhece. É como salto de alegria pelo que está sentindo e fazendo.

 

Pode ser a prática de stand up paddle, pode ser se agarrar a um bom livro, pode ser compor uma música, correr ou pode ser organizar uma festa. Pode ser tanta coisa... mas é você quem vai saber o lugar em que você se (re)descobre e se (re)conhece.

Mas se a Rita Lee sentia tudo isso, por que ela deixou os palcos? Acredito que porque ela passou a sentir outros prazeres em outras atividades. Ela voltou a escrever depois de 20 anos, por exemplo.

 

É possível passar muito tempo fazendo o que ama e buscar outros prazeres! Aliás, é essencial que isso aconteça porque nem sempre conseguiremos fazer uma única coisa pro resto das nossas vidas.

Pra começar, tentemos encontrar nosso palco. É onde muita coisa pode acontecer.

LCV, 27.11.18 - Foto: Portal Gente

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O super poder de fazer pouco todos os dias.

​Quando eu tinha 17 anos entrei numa faculdade que me transformou: primeiro porque eu achava que não teria capacidade de acompanhar tanta disciplina que eu jamais havia visto antes (filosofia, sociologia, linguística). Era tudo muito abstrato e eu me sentia minúscula por não ter visto nada daquilo no ensino médio, mesmo tendo estudado em um dos melhores colégios da cidade. 


Fiquei mal, tranquei disciplina e depois de muita (naquela época) autoterapia, abracei a faculdade de Letras e concluí o curso resgatando meu IRA (índice de rendimento do aluno) que já estava quase no chão por ter trancado anteriormente. Comecei a dar aula na Casa de Cultura Hispânica da UFC onde havia sido aluna um dia. Depois fui dar aula numa escola de idiomas. E desde então não parei mais de trabalhar.

Depois decidi fazer faculdade de Psicologia, que era o que eu sempre quis fazer e nunca havia tentado nos meus 16 anos porque, adivinha? achava que nunca ia passar. 😒. Pois é.

O tempo passa. A gente vai criando coragem. Vai percebendo que a gente consegue muita coisa nessa vida, mas não de uma vez. Que é aos poucos mesmo. E que a gente precisa crer na vida. Crer em nós mesmos.

Teve um tempo que minha irmã mais nova e eu brigávamos tanto, que era quase impossível manter diálogo em casa. Hoje ela é uma das minhas melhores amigas.

Achava que não ia nunca mais ver meu amigo Rafael que conheci quando saí do Brasil pela primeira vez, em 1999. Em 2016, após 17 anos, consegui essa façanha.

Quando entrei na Caixa, achava que não ia passar de 1 ano na empresa. Uma licenciada em Letras e quase psicóloga trabalhando num banco? Hoje tenho 11 anos de empresa e sorrio quando lembro que trabalho nela.

Por conta de trabalho, nenhuma das minhas graduações foi regular. Sempre demorei mais tempo pra concluir os cursos.

Achava que mestrado acadêmico era só pra quem já participava de laboratório de pesquisa ou tivesse vínculo com professor ou pra quem tivesse vinte e poucos anos. Entrei aos 35 e estou curtindo.

São conquistas construídas aos poucos. Todo dia tem um tijolinho que a gente coloca na vida.

Sou que nem Maria, de Milton Nascimento. Possuo a estranha mania de ter fé na vida.

L.C.V, 13/10/18 - Imagem: Pinterest

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Das corridas de rua​

​Fazia quase um ano que eu não participava de uma prova de corrida de rua. E é impressionante como eu sempro me emociono.

A gente vê jovens iniciantes, adultos, idosos que nos ultrapassam brincando, vê casais, equipes de assessorias, corredores solitários... tem de tudo.

Tem gente fantasiada, tem gente sem tênis, gente de muleta, cadeirante, gordos, magros, altos, baixos. Brancos entupidos de protetor solar. Torcedores com blusas de seu time. Uns em marcha atlética.

Gente que diz: "faz sua corrida, não se preocupe comigo". Gente que diz "me espera, amor!". Tem de tudo. É lindo. É sempre lindo ver tanta gente diferente com o mesmo objetivo: ultrapassar a linha de chegada.

Alguns param no meio do caminho. Outros disparam. Outros esperam por outros. Uns correm. Outros caminham. Uns gritam quando conseguem chegar. Outros se benzem. Uns gritam te dando força pra continuar.

É ou não é a vida em metáfora? Uma lindeza só. 😊

L.C.V, 05/08/18 - Foto: Arquivo pessoal

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Da falta que a falta faz

“Tenho sentido falta de conversar com alguém. Conversar, sabe? Debater coisas do mundo, pensar mais, entende?” Sim, entendo. Escutei esse desabafo de uma amiga e me peguei pensando o quão somos carentes desse pensar coletivo, debatedor e tão relevante pra qualquer crescimento: intelectual, espiritual, fraternal...

Tivemos uma conversa deliciosa numa horinha de almoço que por sinal, fazia tempo que eu não tirava – o que inclusive me faz pensar também que essa ausência de troca de idéias não reside na inexistência de pessoas para tal, mas num recolhimento diário que acontece ao longo dos nossos dias. Quem aqui não deixou de ler textos enviados por amigos pensando num “deve ser interessante, vou ler depois” e esse depois nunca chegou? E o tempo vai passando e as coisas vão se perdendo e lá se vai outro dia.

Quem aqui não olhou pro áudio de 2 ou 3 minutinhos da sua amiga ou da sua mãe e disse: “nossa...a pessoa gravou um podcast quase”.

Certo. Mas não estou falando exatamente desses diálogos curtos e troca de informações de toda hora. Não. A minha amiga se referia sobre a vontade que ela tinha de falar e ouvir sobre por que ultimamente tem tanta gente se voltando pra meditação ou por que será que a sororidade e o feminismo têm se fortalecido tanto ou por que continuamos tendo comportamentos de um inconsciente coletivo que renegamos o tempo inteiro.

E foi ouvindo tudo aquilo que quis compartilhar um texto que havia recebido de uma amiga, no dia anterior. Chama-se “Geração ‘floco de neve’. Pessoas sensíveis que se ofendem por tudo.” (mais abaixo tem o link).

O texto traz um tema importantíssimo a ser pensado, debatido, lido, refletido por todos aqueles que acabam tendo contato com a coisa mais importante desse mundo: a educação de nossos filhos.

O termo já foi criticado por ser depreciativo, mas o fato é que a metáfora utilizada para caracterizar esses  jovens adultos propensos a se ofenderem mais facilmente e serem menos resilientes acaba fazendo muito sentido se compreendermos o porquê de alguns desses comportamentos se perpetuarem nesses jovens adultos de vinte e poucos anos.

Sim, cada geração reflete a sociedade em que ela viveu. Evidentemente não devemos sair rotulando por aí, mas pensemos nos argumentos utilizados na construção dessa perspectiva. Brian Mistler nos fala sobre 3 erros educacionais colossais que estariam criando essa geração floco de neve E aqui eu prefiro deixar a fala do autor, que desenvolve bem esse processo.

1. Superproteção. A extrema vulnerabilidade e escassa resiliência desta geração têm suas origens na educação. Estas são, geralmente, crianças que foram criadas por pais super protetores, dispostos a pavimentar o caminho e resolver o menor problema. Como resultado, essas crianças não tiveram a oportunidade de enfrentar as dificuldades e conflitos do mundo real e desenvolver tolerância à frustração, ou resiliência. Não devemos esquecer que uma dose de proteção é necessária para que as crianças cresçam em um ambiente seguro, mas quando ela impede que explorem o mundo e limite seu potencial, essa proteção se torna prejudicial.

2. Sentido exagerado de “eu”. Outra característica que define a educação recebida pelas pessoas da geração “floco de neve” é que seus pais os fizeram sentir muito especiais e únicos. Claro, somos todos únicos, e não é ruim estar ciente disso, mas também devemos lembrar que essa singularidade não nos dá direitos especiais sobre os outros, já que somos todos tão únicos quanto os outros. O sentido exagerado de “eu” pode dar origem ao egocentrismo e à crença de que não é necessário tentar muito, uma vez que, afinal, somos especiais e garantimos o sucesso. Quando percebemos que este não é o caso e que temos que trabalhar muito para conseguir o que queremos, perdemos os pontos de referência que nos guiaram até esse momento. Então começamos a ver o mundo hostil e ameaçador, assumindo uma atitude de vitimização.

3. Insegurança e catástrofe. Uma das características mais distintivas da geração do floco de neve é que eles exigem a criação de “espaços seguros”. No entanto, é curioso que essas pessoas tenham crescido em um ambiente social particularmente estável e seguro, em comparação com seus pais e avós, mas em vez de se sentirem confiantes, elas temem. Esse medo é causado pela falta de habilidades para enfrentar o mundo, pela educação excessivamente superprotetiva que receberam e que os ensinou a ver possíveis abusos em qualquer ação e a superestimar eventos negativos transformando-os em catástrofes. Isso os leva a desejar se fecharem em uma bolha de vidro, para criar uma zona de conforto limitado onde eles se sintam seguros.

Bom, no almoço com minha amiga debatemos um monte de coisa boa. No caminho de retorno pro trabalho (ainda continuávamos trocando idéias) e enquanto caminhávamos eu me lembrava de uns trechos da Ruth Manus em que ela reflete sobre o fato de as amizades realmente acabarem por conta de política ou temas polêmicos. Pensei na da Martha Medeiros e suas crônicas delicinhas, além de pensamentos soltos que me saltavam sempre que minha amiga falava de algo que tinha muito sentido estarmos debatendo ali.

Como falei, recebi de uma amiga o texto da Geração Floco de Neve. “Obrigada pelo texto. Leio depois, Marlinha”. E li mesmo. E acabei compartilhando com várias pessoas aqui. Que tal dar uma lidinha também e debater com uma pessoa próxima a você? Há quanto tempo você não conversa temas como este?

E claro, a vida é cheia de lembranças: essa reflexão de hoje foi num dia tão bonito. Feliz dia do amigo pra você!

L.C.V, 20/07/18

Fonte:

Texto original na página do Rincón de la psicologia.

https://www.rinconpsicologia.com/2017/10/generacion-copo-de-nieve.html

Em português, no Portal Raízes.

https://www.portalraizes.com/geracao-floco-de-neve/

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Cuidadores

​Dia desses vi um casal de avós com seus dois netinhos à espera de um elevador residencial. O elevador se abriu, mas eles viram ao longe uma das filhas chegando. O pai, ao perceber que não seria de bom alvitre segurar o elevador, disse que subiria logo e aguardava os demais lá em cima. Mas um dos netinhos não ouviu e, quando o elevador estava fechando as portas com o senhor dentro, o netinho correu pra entrar e o avô gritou: “Está louco? Não faça mais isso!!”. O netinho se assustou com o estrondoso timbre do avô e deu um pulo pra trás. A avó esboçou uma reação de que não havia necessidade daquele sobressalto do marido, o que ele logo reagiu, ainda no seu alto timbre: “Eu estou PREVENINDO para que ele não se machuque!” O netinho, que devia ter 3 ou 4 anos, ao ouvir o argumento do avô, respondeu no mesmo tom: “E eu estou PREVENINDO que você não suba sozinho, vovô”.

LCV, 24.05.18 - Foto: República Paz e Amor

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​Janeiro Branco

Se era pra ter uma cor, janeiro realmente tinha que ser branco.

Já parou pra pensar no quão queremos começar do zero em janeiro? Percebeu que queremos “passar a limpo” as coisas que ficaram por tanto tempo estacionadas nas nossas cabecinhas e que não tiveram “tempo” (ou oportunidade?) de serem postas no papel?

Pois é. É como se janeiro servisse pra isso. Pra escrevermos uma nova história. Um novo começo. Dezembro nos faz refletir e isso é muito bom. Mas janeiro nos faz agir, o que é ainda melhor, pois são as nossas atitudes que nos fazem pessoas em constante crescimento.

A campanha Janeiro Branco é linda. Se você não conhece, eu explico. Ela começou em 2014 e tem como objetivo convidar a sociedade a pensar um pouco sobre sua vida, seus comportamentos, suas emoções, a qualidade de suas relações e sobre todos os temas vinculados à saúde emocional.

Uma campanha que faz com que nós psicólogos sensibilizemos as mídias, as instituições sociais e os poderes constituídos em relação à importância de políticas públicas voltadas para o tema.

Dedicamos o Janeiro Branco a evidenciar os temas da Saúde Mental com o intuito de cuidar preventivamente e emocionalmente da nossa sociedade.

Um novo começo. Você merece.

L.C.V., 03.01.18 - Foto: Campanha Janeiro Branco 2018.

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"Eu sou ansiosa, doutora"

De uns tempos pra cá tenho ouvido muitos relatos de pacientes que se descrevem como “ansiosos”, o que tem me feito pensar mais sobre o tema. Certa vez, ainda na faculdade, ouvi um professor dizer que o que aparece na clínica é sintomático na sociedade. A cada dia que passa tenho confirmado essa máxima da Psicologia.

Costumo dizer aos meus pacientes que as emoções básicas como o medo ou a raiva, por exemplo, são importantes para a sobrevivência e a evolução das espécies. Por meio de comportamentos adaptativos, a resposta ao medo tem sido preservada no decorrer da nossa evolução. Se sentimos a presença de algo ameaçador (real ou imaginário) imediatamente nosso corpo reage com uma mudança reflexiva de funcionamento de certos órgãos, induzindo inclusive a mudanças comportamentais como a fuga, a luta e até a paralisia.

 

O problema, senhores, é quando essas condições se tornam excessivas, podendo gerar patologias de fundo emocional.

 

O mundo contemporâneo traz a notícia sem que você ligue a televisão. Ao alcance dos dedos, você recebe o link de uma manchete que está sendo compartilhada no mundo inteiro. Você não quer ficar de fora e muito menos demonstrar que não está sabendo da novidade, por isso repassa para alguns grupos, antes mesmo de ler do que se trata e verificar a fonte. “É G1, deve ser sério”, diz você, enquanto mastiga rapidamente o almoço. Em vinte minutos deu tempo esquentar a comida, ouvir algo do jornal, responder a algumas mensagens, almoçar e ainda tirar foto do prato se ele estiver colorido. Afinal, geração saúde está aí e você, claro, faz parte dela.

 

*an•si•e•da•de

(latim anxietas, -atis)

 

substantivo feminino

1. Comoção aflitiva do espírito que receia que uma coisa suceda ou não.

2. Sofrimento de quem espera o que é certo vir; impaciência.

Sofrimento, comoção aflitiva. Ter ansiedade é ruim assim? Pode ser. Existe um custo social enorme, além, obviamente, de uma piora na qualidade de vida do indivíduo.

Há quanto tempo você não consegue ler um livro inteiro?

Quantas vezes escuta uma música (que você gosta) até o final, sem pular para a seguinte?

 

A maioria dos pacientes com Transtorno de Ansiedade normalmente se preocupa desproporcionadamente com o futuro e cometem vários erros do pensamento e, consequentemente, acaba interpretando os eventos de forma desproporcional, enfatizando aspectos negativos e ignorando os positivos, por exemplo. O resultado disso é que as pessoas ansiosas tendem a sentir dificuldade para tomar decisões, solucionar problemas, enfrentar mudanças etc.

 

O tratamento da ansiedade ainda constitui um desafio para a prática clínica. Nossas intervenções cognitivo-comportamentais mais utilizadas passam pela psicoeducação, identificação dos pensamentos automáticos e das emoções, identificação das crenças centrais e intermediárias, reestruturação cognitiva, resolução de problemas e avaliação do processo, como um todo.

O compromisso terapêutico assumido na clínica pode proporcionar muitos ganhos tanto pro paciente como para nós, profissionais. A ansiedade pode trazer prejuízos ao andamento dos seus projetos. Cuide-se!

*Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/ansiedade [consultado em 12-09-2017].

Referências:

Oliveira, Maria Ines Santana de. A Intervenção cognitivo-comportamental em transtorno de ansiedade: Relato de Caso. Rev. bras. ter. cogn. vol.7 no.1 São Paulo jun. 2011 Disponível em 12/09/2017 - http://www.rbtc.org.br/detalhe_artigo.asp?id=137

LCV, 12.09.17 - Foto: Fit in Company

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Eu já devia ter calos ao invés de bolhas.

Dia desses eu assistia a um seriado sobre serial killers e um dos agentes do FBI estava acabando de voltar de sua licença médica, causada inclusive por estresse profissional. Ao final do dia, muito ensimesmado, foi confortado por seu colega de trabalho que disse algo como “calma, você está voltando agora, foi um caso difícil hoje...”. Imediatamente, ainda que sem alterar a posição do corpo, o agente respondeu: “Às vezes acho que não dou mais conta. Eu tenho bolhas quando já devia estar com calos...”.

Lembrei imediatamente das exigências cotidianas que nos fazemos, especialmente quando nos lembramos de um passado em que supostamente fomos melhores. “Eu corria mais que agora”. “Eu conseguia fazer essas planilhas mais rapidamente há alguns anos atrás”. Ou “Eu já fui mais criativo e hoje não consigo”.

Quando eu tenho calos significa que eu já passei por um longo caminho, inclusive com bolhas no começo dele. Bolhas que deram lugar a calos. Calos que me fizeram mais forte. Calos dão status. Dependendo do caso, calos até nos orgulham: são marcas de resistência.

E bolhas? Bolhas significam que você está tentando. Acho que é a fase mais difícil: os resultados ainda não aparecem, mas você insiste, ainda que se machuque. Deveria haver maior orgulho que esse?

Quando estiver perseguindo algo e se sentir cansado, dolorido e desacreditado, lembre o motivo pelo qual fez você iniciar essa jornada e lembre-se de que as bolhas se tornam calos um dia. A sabedoria vem de um percurso difícil. Ela também passou por muitas dores, erros e acertos. Bolhas e calos fazem parte da nossa vida. Acolha-os e siga em frente.

LCV, 08.08.17 - Foto: vanzolini.org.br

 

Texto disponível também em:

https://www20.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2017/08/08/noticiajornaldoleitorcronicas,3680830/eu-ja-devia-ter-calos-ao-inves-de-bolhas.shtml

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Das leituras (de um mundo) sem compreensão.

Quando eu tinha entre 6 e 7 anos lembro que estudava em uma escola que tinha o costume de fazer os alunos rezarem um pai nosso ao final da última aula. Recordo que o “mas livrai-nos do mal, amém” era dito com quase todos os alunos já na porta de saída, querendo ir pra casa. Na época, parecia-me coerente aquele desespero de querer ir embora o quanto antes (depois de tantas aulas cansativas para todos nós), embora quase nada adiantava o desespero já que nem todos os pais nos aguardavam no pátio.

 

Hoje sorrio e penso em qual sentido tinha aquela obrigação da oração se mal conseguíamos nos concentrar no significado daquelas palavras. Aproximo esse episódio ao da reza do terço católico em que percebo as mesmas coisas: rapidez nas frases e desespero pelo término. Sorrio, mas no fundo lamento por sermos assim.

Assim como lamentava quando estava lendo por fruição e por belprazer um romance e, na metade dele, por coincidência, o professor de literatura pedia que fizesse a leitura exatamente daquele livro. Lá se ia minha espontaneidade na leitura e lá vinham as tensões acompanhadas de questionários – valendo nota – sobre o que o livro trazia. Talvez por isso tenha deixado de fazer as resenhas que naturalmente emergiam após a leitura de um livro...

Pergunto-me por que nos obrigamos a fazer tantas coisas sem que antes do comando delas aparecesse juntamente o sentido que elas devem fazer para cada um de nós. Claro que é necessário seguir regras na escola, nas universidades e em tantos locais que demandam rotina para que logrem o propósito a que vieram. Mas será este o único caminho? Personalizar atividades dá trabalho? Entender a subjetividade do ser humano leva tempo? Sim, claro, somos únicos.

 

Será que quando impomos regras que não são adequadamente assimiladas por seus seguidores é possível lograr êxito nos propósitos das instituições? Todos os dias observo transeuntes por todo lado; seguidores ou ex seguidores de regras. Fico pensando que todos eles – supostamente – passaram por um banco de escola. O que ficou de bom que o fez melhorar como pessoa? O que o marcou de forma negativa? O que o fez pensar sobre sua vida em comunidade? Afinal, para qual propósito estamos aqui?

LCV, 29.10.15 - Foto: Acervo pessoal

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Das dores de cada dia.

Ele fez uma cara feia no mesmo momento em que deu aquela freada brusca. Quase fechou os olhos pra não ver o estrago que iria ser aquela batida. Como não ouviu barulho estrondoso ou nenhum gritinho assustado vindo da rua, percebeu que não houve nada. Apenas o susto.

Fiquei a pensar sobre o episódio: o que será que nos assusta, realmente? Bater no carro da frente, ter prejuízo a pagar, discutir quem está errado no trânsito? Ou quebrar nosso pára-choque , lanterna e ficar com o carro no conserto por algum tempo? Afinal, o que é pior? Machucar os outros ou machucar a si mesmo?

Não queremos nenhum dos dois e rezamos para que nunca aconteçam batidas de carro conosco. Mas a verdade é que acidentes acontecem, façamos cara feia ou não. Não se pode estar imune aos estragos no trânsito. Nem na vida.

Bateu? Vamos ver o que aconteceu e resolver com a maior brevidade a situação. Melhor para você, para o outro e para a fluidez do trânsito. Ou você quer ficar com o carro batido por não sei quanto tempo? As pessoas precisam ir e vir.  O trânsito não pára. Nem a vida.

Machucar o outro é horrível. Dói talvez até mais que machucar a si mesmo. Mas se já aconteceu, o que há de fazer? Não há a opção de trazer o sofrimento do outro pra si. Cada um com sua vida. Cada um com seu prejuízo.

O carro da frente não seguiu o sinal porque achou que não daria tempo; preferiu frear Podia ter seguido, mas não seguiu. O carro de trás poderia ter freado, mas não freou. Será que tem algum culpado? Não seria melhor cada um assumir seu erro e seguir em frente?

Doer sempre dói.  Dúvidas sobre o que poderia ter sido feito sempre existirão. Mas quando as coisas tentam ser resolvidas pelos dois lados, com boa vontade, a dor diminui. Afinal, tudo não passa de um susto. Vai ficar tudo bem de novo.

LCV, 26.09.15 - Foto: saibaseusdireitos.org

Disponível também em: https://www20.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/07/27/noticiajornaldoleitorcronicas,3475327/as-dores-de-cada-dia.shtml

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Nada melhor do que ouvir uma boa história

Tem dias que nada melhor do que ouvir uma história. Com final feliz é melhor, mas sem problema se nos fizer chorar; se a narrativa é bem contada ou mesmo se a história nos toca, o coração agradece. É o que afinal todo mundo procura, seja em um livro, no cinema, na televisão, numa conversa entre amigos ou até numa consulta médica: uma boa história.

Há alguns anos saí mais cedo de uma aula pra chegar mais cedo em casa e poder visitar minha irmã, que há muito não a via. Aproveitaria para tomar um café com um amigo próximo. Acho que eram argumentos fortes pra me ausentar mais cedo daquela aula...

 

O fato é que no meio do caminho me chamou atenção um senhor de seus 80 anos que estava de pé, numa calçada de esquina com grande trânsito. Quando o avistei, pensei que estaria se agarrando a um rapaz mais jovem pra poder atravessar a rua. Mas ao passar e olhar pelo retrovisor do meu carro, vi que eles continuavam no mesmo local e o rapaz olhava de um lado pro outro, como quem não soubesse o que fazer.

 

Encostei o carro e fui até os dois. O senhor não me viu porque cheguei por trás dele e ele mal conseguia se mexer de dor. Perguntei o que estava acontecendo: “não sei, encontrei ele aqui gemendo de dor, sem conseguir sair do canto e parei. Chamei um táxi pra levá-lo pra casa, mas até agora nada”, respondeu o rapaz. Acabei ficando ali, do seu lado esquerdo enquanto o outro rapaz se mantinha à direita. A coluna do senhor era em forma de um “C” e eu imaginei a dor que ele devia estar sentindo.

 

Eu olhava pro rapaz e via um desespero de quem não queria estar ali, mas era humano demais pra ter deixado o senhor sozinho. Parecia que trabalhava fazendo entregas e, ao ver a cena, encostou sua moto na esquina pra ajudar de alguma maneira. As pessoas passavam e se compadeciam de certa forma. Era um recorte de humanidade no meio do trânsito das 18h em uma capital.

Alguns minutos pra conhecer seu Antônio enquanto o táxi não chegava. Ele tremia muito enquanto nos agarrava com força. “Dói tudo, fia, tudo. Tô aqui porque fico pedindo. Não aguento ver meus fi sem nada pra mastigar”. No bolso, uma identidade velha, rasgada, com uma digital apagada e uma cartela de Carbidol. “Queria tomar, mas não tem água”. Tirei da bolsa uma garrafinha de água e lhe dei. Foi o único momento em que ele olhou pra mim: “Graças a Deus. Me ajude também, não vá embora, não”. Eu não ia embora mesmo até o táxi chegar. Mas esse Deus foi melhor. Mandou vizinhos do seu Antônio passarem de carro por perto: “O que aconteceu? Por que o senhor tá sozinho, seu Antônio? A gente leva ele... Calma, vou estacionar o carro e lhe ajudar”.

Foi quando vi o semblante do motoboy melhorar. “Vou ter que cancelar o táxi”. O rapaz ligou do celular, pediu ao taxista três vezes por favor que o desculpasse, mas que não precisava mais vir buscar o senhor. Antes de sair, disse: “Obrigada, minha gente, por ajudarem. Graças a Deus deu tudo certo. Eu saí mais cedo do trabalho pra ir ver minha mãe, que vai viajar... mas ainda bem que deu tudo certo”.

Antes de deixá-lo entrar no carro, meu espírito urbano ainda quis confirmar no ouvido do Seu Antônio se ele conhecia mesmo aquelas pessoas. Ele, sem olhar, de tão concentrado na dor, disse: “Lá da rua, são da minha rua”. Eu me despedi do seu Antônio e fiquei olhando praquele carro de pessoas abençoadas.

 

Engraçado como os caminhos das pessoas se cruzam. Engraçado pensar que saí mais cedo da aula pra visitar minha irmã e tomar café com meu amigo e acabei não fazendo nem uma coisa nem outra. Olhei pra trás e vi o rapaz da moto se benzendo. Ele também saiu mais cedo. Talvez não tenha dado tempo ele ver a mãe antes de ela viajar. Mas tenho certeza de que se ele contar essa história, a mãe dele sorrirá.

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LCV, 03.09.15 - Foto: Apenas 1

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